terça-feira, 18 de junho de 2019

João José Aguiar Escultura de D. João VI



João José Aguiar
João José de Aguiar foi um distinto escultor português das últimas décadas do século XVIII e primeiras do XIX.

Nascido em Belas, vê o seu talento reconhecido precocemente, partindo para se formar em Roma aos 16 anos de idade. Distingue-se por ter sido aprendiz na academia do mais importante e célebre escultor da época, Antonio Canova. Regressa a Portugal, onde passa maior parte da vida a trabalhar na obra escultórica do Palácio Nacional da Ajuda, inicialmente como assistente e mais tarde assumindo a direção das mesmas. Falece com 72 anos em situação de pobreza. 

Umas das suas obras espelha os infortúnios que sempre o acompanharam, ainda em Roma, recebe uma encomenda régia portuguesa, um conjunto de cinco esculturas, consoante os padrões artísticos da época, louvando a rainha D. Maria I, as suas obras e o reino, destinado a ficar em frente à Basílica da Estrela, a obra sofreu desde logo invejas pela sua qualidade, posteriormente foi apreendida em Roma pelos invasores franceses, e quando chega a Portugal fica armazenado durante décadas, nunca chegando a ser colocado no local destinado até aos nossos dias. 



Escultura de D. João VI 



A sua obra-prima é realizada vários anos depois já estabelecido em Portugal, uma figura de D. João VI esculpida em 1823 para o Hospital da Marinha.


Representa o rei em corpo inteiro, apoiado no leme do governo trajado em uniforme, condecorado, de espada cingida, um manto de arminhos sobre os ombros, cabeça coroada por coroa de louros, símbolo de Apolo, com o corpo em movimento pela postura em contraposto.


Tal como a estátua da rainha D. Maria I, o realismo dá lugar ao simbolismo, com o escultor a atenuar as características físicas menos nobres do rei, principalmente na forma do corpo, mas também nas feições faciais.


Escultura D. João VI, 1823, João José Aguiar (1769-1841).
 Museu Nacional de Arte Antiga. Fotografia original

quinta-feira, 28 de março de 2019

Só Deus! Francisco Metrass

Apenas neste mês de março de 2019, visitei pela primeira vez o Museu Nacional de Arte Contemporânea e no meio de muita pintura que captou o meu olhar mais atento, principalmente as obras românticas e naturalistas do século XIX, destacou-se a obra Só Deus! de Francisco Metrass. 




É uma obra romântica, com enorme intensidade emocional feita para captar o nosso olhar. 

Francisco Metrass (1825-1860) português de nascença e descendente de italianos, teve os seus primeiros anos de formação em Portugal com os mestres Joaquim Rafael e António Manuel da Fonseca, tendo partido para Roma com 20 anos de idade para ter como mestres dois pintores alemães, Peter Von Cornelius e Johann Friedrich Overbeck que faziam parte do grupo dos Nazarenos (que se dedicavam a uma pintura de temática religiosa e consoante padrões artísticos próximos daqueles realizados no século XV em Itália). 



Mas antes de voltar a Portugal no ano de 1847, passa pela cidade de Paris, que tinha destronado Roma como capital da arte desde do Neoclassicismo de David e continuado como capital da arte europeia ao longo da primeira década do século XIX com o Romantismo de Gericault e Delacroix. Sendo um dos primeiros artistas portugueses a receber os ensinamentos na cidade das luzes, sendo fortemente influenciado pela pintura romântica, visível na obra me trouxe à escrita deste texto. 
Com êxitos modestos no regresso a Portugal, volta para Paris para se dedicar à aprendizagem da arte romântica francesa, pintura de maior dramaticidade, intensidade no colorido e nos movimentos. 
Será na década de 50 que encontra o seu estilo e produz as suas melhores obras, como Camões e o Jau de 1853, infelizmente é nesta mesmo década a sua saúde começa a deteriorar-se e falece na madeira em 1861. 

No ano de 1856 que realiza a pintura Só Deus!, apresentada ao público na Academia de Belas-Artes. 
A tela apresenta uma mãe e um filho numa cena de desespero, que como o título indica, já mais nada resta que os possa salvar senão Deus. 
Construído numa diagonal, a partir do corpo nu da mãe, o momento captado é uma mulher e o seu filho trazidos por uma corrente de água acelerada, em que a mãe num gesto de desespero pela própria vida e do filho se segura a tronco quebrado. É todo um momento de dor, que nos atira para dentro da tela, vemos o corpo da mãe já lívido, concentrando todas as suas forças no segurar do tronco com o braço direito esticado e do filho com o braço esquerdo dobrado, já com a cabeça caída de cansaço e sem forças para mais movimentos, a criança puxa os cabelos da mãe numa tentativa desesperada de obter uma reação da mesma, desespero visível na face da criança. 
Momento de amor maternal e momento de dor, uma morte iminente que dificilmente não emociona também o observador, com a iluminação a intensificar, com focos de luz nos dedos da mão que agarram o tronco, no corpo da mãe e na face da criança. 

A qualidade da obra obviamente que não passou despercebida, sendo adquirida pelo Rei Consorte D. Fernando II. 

Bibliografia: 
Páginas 274 a 278. França, José Augusto. A Arte em Portugal no Século XX, volume I. Lisboa: Livraria Bertrand, 1966, p 274 a 278. 
Pamplona, Fernando. Dicionário de Pintores e Escultores. Barcelos: Livraria Civilização Editora, 2ªEdição, 1998, p 145 e 146. 
 Saldanha, Nuno. Francisco Metrass (1825-1861). Melancolia, Eros e Tanatos. 





terça-feira, 16 de outubro de 2018

Antoni Gaudí, características da sua arquitectura.

Antoni Gaudí, arquitecto catalão da transição do século XIX para o XX, é ao mesmo tempo um tradicionalista e um inovador, mas será acima tudo um arquitecto genial e único no seu pensamento construtivo. 

Inserindo-se na corrente internacional da arte nova e no neo-gótico iniciado por Violet-le-Duc, cria uma arquitectura única, que utiliza os materiais tradicionais do gótico como a pedra e o tijolo, mas que ao contrário do francês não procura ultrapassar os problemas enfrentado pelos arquitectos medievais a partir da utilização do ferro, nem na utilização dos suportes góticos de contrafortes e arcobotantes, mas sim dando novas soluções para os mesmos materiais, procurando a unicidade, equilíbrio e proporção. 

Uma das obras que melhor exemplifica as soluções encontradas por Antoni Gaudí, é a cripta da Colonia de Guel, parte de uma igreja nos arredores de Barcelona que ficou inacabada. Para criar esta maravilha arquitectónica de pedra e tijolo (figura 1), o arquitecto recorreu a um modelo engenhoso que marca toda a sua obra. 

Figura 1

Constrói um modelo polifunicular, numa escala 1:10 construída numa barraca do estaleiro, constituída por cordas suspensas no tecto, às quais foram presas sacos com chumbo representado os pesos e posições das cargas exercidas sobre a estrutura, formando assim uma combinação de curvas catenárias, onde o arquitecto deveria posicionar os arcos e colunas. O arquitecto depois de formar o modelo, fotografou-o e desenhou a sua imagem ao contrário. São várias as imagens disponíveis na internet destes modelos de Gaudí, que mesmo alguns não sendo originais demonstram na mesma o engenho da arquitectura de Gaudí. (Figura 2) 

Figura 2
Antoni Gaudí tem uma pergunta retórica e consequente resposta, que ajudam muito a compreender a obra do mesmo. 
“Querem saber onde encontro os meus modelos?”
“- Uma árvore erecta; esta suporta o seu eixo, este suporta os seus ramos e estes, por sua vez, suportam as suas folhas. E cada parte cresce em harmonia da forma magnífica que deus as criou. Esta árvore não necessita de qualquer apoio externo. Todas as coisas se encontram em equilíbrio em si mesmo. Tudo está em equilíbrio” 
Este objectivo de agarrar nos valores da natureza e transformar-los em arquitectura é talvez o separa Gaudí dos outros arquitectos, afastando-se se das linhas rectas, de valores e ideias estanques, dando à sua arquitectura as linhas curvas que melhor suportam as cargas, visíveis principalmente na vasta utilização de arcos catenários/parabólicos. 

Figura 3
Uma das melhores obras para demonstrar o carácter único da arquitectura deste catalão é a Casa Milà, edifícios de apartamentos na cidade de Barcelona mais conhecido por “La Pedrera” (Figura 3). Edifício que se assemelha a uma enorme escultura abstrata em pedra, uma enorme massa moldada à semelhança de um mar revolto. Uma fachada de formas ondulantes, onde cada vão é diferente do outro, tal como no interior nenhum piso é igual, um edifício que respeita assim os valores de equilíbrio do material, abdicando até de paredes de tijolo e suporte, sendo suportado por um piso subterrânea constituído por grandes arcos catenários (Figura 4). 

Figura 4

Dicionário: Arco Catenário, ou arco parabólico, são arcos que formam uma parábola ou parte de uma elipse, sendo formados pela força sobre uma corda presa nas duas extremidades.

Bibliografia: Fahr-Becker, Gabriele. A Arte Nova. Konemann, 2000. 

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Obra artística e as suas condicionantes

Há muito que não escrevia para aqui. Estranho... 

A qualidade da obra de arte depende essencialmente de três coisas, talento/qualidade artística, do encomendador e do tempo. Se pensarmos por exemplo na última ceia de Leonardo da Vinci, temos um exemplo perfeito, um enorme talento do pintor, um grande encomendador e muito tempo disponível para fazer a pintura. O mesmo para Giotto com a capela de Scrovegni, estamos a falar do maior talento da época, com o melhor encomendador possível e tempo para concretizar a mesma. Mas voltando à última ceia, para mim é este o melhor exemplo, porque a realidade é que por exemplo o material com que foi concretizado, têmpera sobre fresco, levou rapidamente à deterioração da mesma, logo a qualidade dos materiais não é assim tão relevante para concretizar uma obra de arte, mas sim para a conservação. E ainda dou mais outro exemplo, neste caso português, o palácio convento de Mafra, é uma enorme obra, sem dúvida, mas a sua qualidade talvez fique aquém daquilo que podia ser, devido mesmo aquelas três razões, tinha um enorme encomendador, todos os fundos disponíveis quer financeiros, quer humanos para concretizar a obra, mas devido a alguma pressa do Rei D. João V em concretizar a obra, não é Juvara que fica à frente da obra, mas sim Ludovice, um era talvez o maior arquitecto da Europa e o outro era um ourives de Roma. Isto não significa que o enorme monumento de Mafra seja uma obra menor, já que acaba por concretizar dois daqueles dois pontos fundamentais e tem tudo o resto, mas é possível afirmar que o potencial era muito maior, se o arquitecto fosse mais talentoso. 
E este é o problema da pintura portuguesa e do resto da arte, muito raramente os encomendadores tinham gosto ou capacidade financeira para realizar grandes encomendas, não são assim tão frequentes o pintores portugueses de qualidade e o tempo disponível para concretizar as obras normalmente não é muito, devido a limitações financeiras. Existem bom pintores na história da arte portuguesa que talvez nunca tenham passado da mediocridade por não terem possibilidades de usar todo o seu talento e talvez tenha existido muitas vezes capacidade de encomendar, mas a não existência de talento, ou a falta de tempo levou a que muitas obras também nunca tenham tido qualidade. E é isto que acontece na arte neoclássica portuguesa, muita mediocridade e dois pintores de relevo, mas mesmo assim é complicado sentir que esses dois pintores atingiram tudo o que podiam ter dado e é bem mais visível os problemas da encomenda e da instabilidade da época e consequentemente do tempo disponível para obras. Sequeira inicia quatro grandes pinturas, com um desenho de precisão neoclássica, mas de um gosto romântico, místico, neo-barroco, só que as limitações da vida não permitem a conclusão das mesmas. Em Portugal, a escassez de encomendadores de qualidade quase que o levam à depressão e a fuga do rei, o grande encomendador acaba por levar a pintura de Sequeira por um caminho de qualidade menor. O mesmo aplica-se a Vieira Portuense, este acentuado por morrer cedo por doença. 

domingo, 9 de abril de 2017

Património e a sua destruição

Tanto é o património destruído no Algarve. 
Qualquer leitura sobre o património algarvio parece estar sempre ligada a uma forte destruição do mesmo. Encontram-se túmulos megalíticos, fustes romanos, cerâmicas islâmicas e tudo passa como se nada fosse. É incrível, assim perpetua-se a ignorância de um Algarve sem antiguidade e património. 
E não é só no passado, a destruição continua nos nossos dias, constantes intervenções com materiais recentes, como o cimento e as tintas plásticas, em alvenarias antigas e tintas de cal, enriquecidas por anos e anos de caiação, tudo destruído pela ignorância. Pelo sentimento de que o Algarve nada tem, por isso não faz sentido conservar seja o que for. E assim, devagar, devagarinho, o Algarve vai ficando cada vez mais pobre, e aproximando-se da ideia que os ignorantes têm do mesmo. Basta pensar no caso recente de Olhão, uma igreja com uma importância histórica impressionante, uma igreja daquelas dimensões, daquela qualidades arquitectónica quando as casas eram de palha e a igreja é tratada pelo padre, como se não tivesse importância e que o que precisava era mesmo de cimento e tinta plástica. Eu como aluno de património, que já estudei várias igrejas, de várias cidades, portuguesas e europeias, tenho a dizer que igreja matriz de Olhão foi a que mais me impressionou. 
Depois eu já compreendi uma realidade, as casas do século XVIII e XIX, herdeiras das casas dos séculos anteriores, já foram abaixo e agora o caminho é destruir as do XX (muitíssimas também já o foram, mas mesmo assim muitas sobreviveram), as casas com azulejos nas fachadas, as casas com platibandas e trabalhos em massa, estão todas marcadas para demolição e criação de mais mamarracho. Não são casas muito antigas, mas mostram um gosto e uma qualidade decorativa, que rapidamente desapareceu para dar lugar ao alumínio, cimento e tinta plástica (algumas mantiveram a ideia do azulejo, mas aqueles azulejos horríveis de produção industrial). Além de que são as últimas casas algarvias, é quase o último património urbano do Algarve. 

Tudo vai a caminho da destruição e será o meu destino assistir a essa destruição? Ou conseguirei atingir os meus sonhos rapidamente e parar essa destruição? (Tenho que começar a fazer textos, para livros sobre a arquitectura algarvia do século XX) 

terça-feira, 4 de abril de 2017

Vivenda Marília, Património e Cultura

Descoberta recente, uma revista curta, que teve 11 números, nos primeiros três anos dos anos 80 e que se dedicava à sensibilização para os temas do património e cultura. Sediada em Vila Real de Santo António, tratava de temas de todo o Algarve. Como é um bom exemplo este texto sobre a Vivenda Marília, a maior análise que conheço sobre esta edificação notável da cidade de Faro. Infelizmente desconheço as autoras, mas pela qualidade do texto, não estarei muito errado em deduzir que serão da área de história. 

Património e Cultura Nº8 1982 ano 2 Dezembro Revista da associação para a defesa e investigação do património cultural e natural (adipacna) VRSA. Páginas 13 e 14

Em Faro, o exotismo da vivenda marília por Elídia Ribeiro e Maria da Graça da Silva Lobo.

  1. Um pouco de história 

Existe em Faro, na rua Lethes, fazendo esquina com a rua almeida Garrett, uma casa com aspecto algo insólito pela profusão de elementos decorativos. Esta moradia, cujo nome é vivenda Marília, pertence a Joaquim Rita da Palma, advogado reformado, sendo habitado neste momento por sua filha Dona Marília. O nome deve-se ao facto de existirem várias Marílias nesta família. 
Procurámos o dr. Rita Da Palma, que nos informou tê-la mandado construir em 1930, em terreno que até aí era zona de cultura agrícola. Pretendia que fosse de um estilo simples e sóbrio, o que estaria de acordo com a sua maneira de ser e a sua origem modesta, que nunca procurou encobrir. 
Pelo contrário sua mulher, descendente de uma família de riqueza recente, queria que a casa exibisse o seu poder e “gosto” perante e elite da cidade e assim não contentara com uma casa rés do chão. Vai contactar um empreiteiro recém vindo de Marrocos, de nome Guilherme, que estava em voga na época, prestigiado pela sua permanecia no exterior, ambos irão ser autores de uma casa que não correspondia de maneira nenhuma ao projecto original, feito por Jaime Ruivo, então funcionário de obras publicas na Câmara Municipal de Faro. 
A construção não teve assim plano prévio e foi feita ao sabor do improviso, ligada aos desejos da impulsionadora da obra, a esposa do advogado. Os dois medalhões que surge no exterior terão sido mesmo, a tentativa de esta senhora se retratar e assim permanecer no tempo. 
Colaboraram na construção um estucador oriundo do minho, de nome Vietas e o mestre Miguel, mais conhecido por Espanhol, que trabalhou a pedra. As pinturas nas paredes e tectos estiveram a cargo do amigo do casal, professor Pina, que leccionava na escola industrial e comercial de Faro. 
A moradia demorou dois anos a construir e foi bem mais onerosa que a verba inicialmente prevista para o primeiro projecto; alias, a licença de construção foi tirada para a casa desenhada neste projecto e este perdeu-se ao longo dos tempos. 
A obra que o proprietário designou como "fruto da intuição", terá custado cerca de 300 contos, o que na altura significava uma pequena fortuna para as posses do advogado que se viu obrigado a recorrer a empréstimos, já que a quantia de dispunha e previra para a obra, não ultrapassava os 180 contos. 

  1. Os exteriores  

O material utilizado no corpo global da construção é pedra e tijolo rebocado e posteriormente colorido. Os pormenores decorativos são em gesso.
A cobertura da casa é uma placa rodeada de uma platibanda, como era costume na época e, para dar um ar mais imponente, este era decorado com partes em estuque que pretendiam imitar mármore, características de uma época em que se lutava já com a carestia e a falta de materiais e se procurava arranjar substitutos acessíveis. Para além destes existiam outros ornatos, que tornavam a platibanda um dos elementos mais sugestivos da fachada. 
Deduzimos ao observar esta casa, pela diferença existente entre o andar superior e o andar inferior, que à medida que a construção ia avançado, novos elementos se iam acrescentado. De facto, a parte inferior é de um estilo relativamente simples, limitando-se a um friso de margaridas em gesso, painéis em estuque e janelas rectilíneas. As portas em Ferro forjado e madeira são também em estilo vulgar que não corresponde ao andar superior. Neste, pelo contrário, foi usada toda a imaginação numa amálgama de estilos, por vezes divergentes. Temos o caso das janelas rasgadas, emolduradas em cantaria, sendo o topo semi-circular à excepção da janela central cujo cume faz lembrar um frontão neo-clássico. As varandas são protegidas por gradeamento em ferro forjado, sendo a varanda central mais saliente que as outras. Acima das janelas podem-se ver pretensos semi-capitéis jónicos que sustentam uma plataforma proeminente na platibanda, como que a definir espaços. Aí encontram-se grinaldas rebuscadas e, enriquecendo ainda mais o conjunto, existem duas espécies de frontões (um de cada lado), no centro dos quais se destacam dois medalhões representado, como já se disse, a tão falada proprietária.
Um facto bastante curioso é que a grande maioria dos componentes denotam uma tentativa de simetria, que acaba por ser contrariada pelo baldaquino. Este destaca-se perfeitamente do edifício, até pela sua posição, que faz canto. Qual teria sido o motivo que levou a esta realização? Por um lado, e devido à sua cúpula arabizante, ela teria sido a necessidade de Guilherme mostrar os seus talentos, neste caso específico, ligados à arquitectura árabe com a qual ela entrara em contacto em Marrocos. Por outro lado, tentativa de originalidade e do mesmo modo, ostentação e exibicionismo, porque na realidade desta espécie de "bow-window” não teria nenhum aspecto utilitário.
Este baldaquino é sustido por uma coluna e rodeado da balaustrada em pedra. Esta, aparece também nos dois terraços laterais. O terraço da área de serviço, que dá para a Rua Garrett é também sustido por colunas, três colunas muito simples, aproximadas das colunas Toscanas. Existe neste terraço uma pequena fonte ladeada de bancos decorados com pedaços de porcelana de vidro e conchas aglutinados numa espécie de "patch-work”. Encontramos o mesmo trabalho na Fonte da Pipa e viemos a concluir terem ambos sido da autoria do já referido “Espanhol”.

  1. Interiores 

A parte inferior divide-se também em dois andares, dos quais só o 1º tem interesse para o nosso trabalho e por isso apenas deste apresentamos descrição. Entra-se por uma escadaria em pedra, com vinte degraus, de forte inclinação, ladeada por dois corrimões com gradeamento em ferro forjado trabalhado e pintado. Esta entrada não é muito majestosa, o que aliás também acontece com as divisões, que são no geral pouco espaçosas. 
No 1º andar existem oito divisões principais. Subidas as escadas, chegamos a um pequeno “hall” cujo tecto é trabalhado com ornatos em estuque em forma de ziguezague. 
Este patamar prolonga-se e desemboca numa antecâmara, junto às janelas, do corpo principal. Desta antecâmara partem portas para ambos os lados, sendo o lado esquerdo o único com ornamentação. Assim, a primeira porta à esquerda a um pretensioso salão dividido a meio por um arco que tem ao centro uma vieira estilizada, bem como flores, a decorá-lo. É desta sala que se tem acesso ao baldaquino, o que parece evidente, devido à função de ostentação deste elemento. As paredes desta sala são apaineladas e existem pinturas por cima das janelas. 
Continuando pelo corredor, encontramos um sumptuoso quarto de dormir, que tem um arco a dividi-lo; este arco é sustido por duas colunas cujos capitéis são uma imitação dos capitéis corínticos. Os elementos decorativos são substancialmente os mesmos, isto é, conchas, grinaldas de flores, laços de fita, sublinhados a dourado. Existem neste quarto também, duas cabeças de anjos em alto-relevo, cada uma de seu lado do arco. Todos estes elementos nos fazem lembrar o estilo rococó. 
Logo a seguir, encontramos um pequeno quarto que mantém as características anteriores, tendo no entanto um elemento inovador — um tondo, com “putti” em alto relevo, o que é uma característica do estilo barroco. 
Prosseguindo, encontramos a sala de jantar. Nesta sala, o colorido é bastante diferente dos tons rosa-pastel do resto da casa; aqui as cores são em “degradé” de azuis e verdes. O tecto, muito curioso, tem uma imitação de frisos de madeira e aparecem pinturas alusivas à utilidade da sala, isto é, pinturas de frutos variados. 
A única divisão com interesse do lado direito da já referida antecâmara é o antigo escritório do advogado. As características do tecto são semelhantes à maioria das outras divisões de que falámos. O mais significativo deste escritorio é a figura de uma mulher com uma balança que está sobre uma das janelas. Esta figura que se assemelha aos “putti”do quarto das crianças, pretende representar o símbolo da justiça e teria sido copiada de um livro de direito. Mas curiosamente, este símbolo, encontra-se colocado num painel pintado, sendo esta pintura uma paisagem, que não tem, pois, nada a ver com a figura — existe mais uma vez desconexão de ornatos. 

  Conclusões 

A “Vivenda Marília” foi um desafio arquitectónico à sua época. Um desafio que começou por se pôr em termos da população que não acreditava que os ornatos de estuque se mantivessem fixos, assim como à simetria e a um certo gosto tradicional. 
Uma casa corresponde sempre à personalidade de quem a construiu e de quem a habita. Esta reflecte perfeitamente um espírito que quis algo de original, de diferente para impressionar os outros. 
Assim, que esta habitação seja uma ecletismo, com características neo-clássicas, rococó e arabizastes. Não importava tanto a uniformidade da construção, mas antes de mais uma profusão de ornatos que a evidenciasse. Uma casa eclética também na pretensão de imitação de materiais ricos, com recursos pobres.
Ficamos assim a dever ao génio de uma mulher, um edifício que é a manifestação de pompa e exibição de uma nova-rica em vias de afirmação, mas que é, igualmente, no seu todo, uma criação espectacular, desligando do problema (aliás controverso) do gosto, e que continua a ser um desafio à atenção e sensibilidade do espectador; este, tem também a possibilidade de constatar o perfeito estado de conservação em que a Vivenda Marília se encontra, o que é de louvar, numa época em que se destroem cada vez mais valores de épocas passadas.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Igreja Santa Maria do Castelo

 A igreja de Santa Maria do Castelo em Tavira, apresenta uma das melhores fachadas que podemos descobrir no Algarve, tratando-se mesmo de uma das melhores em todo o país no estilo neoclássico.
Realizada por encomenda do Bispo do Algarve à época, Francisco Gomes do Avelar, e entregue ao arquitecto genovês Francisco Xavier Fabri, trazido para Portugal e mais especificamente para o Algarve pelo mesmo Bispo para a reconstrução das várias igrejas ainda destruídas pelas consequências do terramoto de 1755, arquitecto que posteriormente irá para Lisboa e realizando em parceria com outro arquitecto a obra mais importante do neoclassicismo português, o palácio da Ajuda.
Assim se explica a erudição da fachada da Igreja de Santa Maria do Castelo em Tavira. Destacando-se os elementos arquitectónicos como as três janelas termais, elemento utilizado por exemplo numa das maiores obras de arquitetura em Portugal, a Igreja São Vicente de Fora, e os dois arcos, em forma de quadrante, que descrevem um movimento descendente desde o frontão superior do corpo central até aos corpos laterais, que correspondem às naves laterais da mesma. Um elemento arquitectónico de grande erudição que demonstra o bom conhecimento das obras de Palladio e especificamente da Vila Barbaro que utiliza estes mesmos arcos em dois columbários que delimitam a fachada dessa mesma Vila.
Além da utilização de elementos arquitectónicos de grande erudição, Fabri mostra também uma consciência pré-patrimonial, conservando o portal gótico da igreja original e enquadrando-o de forma quase perfeita no estilo arquitectónico do século XIX, não esquecer que Fabri será a figura principal por detrás da descoberta do Teatro Romano de Lisboa, demonstrando a admiração e respeito na época pelos marcos arquitectónicos do passado. Além de Fabri também o próprio Bispo demonstrava a mesma preocupação, como é possível ler nos seus escritos relativos a obras na Sé de Silves.
Uma Igreja que é um excelente exemplo patrimonial algarvio, com imensa história para contar a todos que a visitem e procurem conhecer um pouco mais sobre a mesma.

(Não tinha nada para fazer e queria saber se a leitura de livros tem alguma utilidade)