quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Museologia(s)

Já nem me lembro da última vez que escrevi. Agora sou chateado o dia quase todo e o tempo para mim escasseia, mas pronto, espero que seja só uma questão de tempo e adaptação.
Talvez a coisa mais importante nos últimos tempos tenha sido a minha visita ao Museu Nacional de Arte Antiga. Finalmente visitei um museu nacional e o principal museu português.
Não vim de lá muito impressionado, até pode ser o museu português mais rico em obras e em publicações, mas a museologia e museografia não é melhor do que qualquer outro museu municipal, o que se pode dizer que é gravíssimo. O espaço em si é incrível, é relativamente acessível, mas as exposições são simples e pouco adaptadas aos visitantes, maior parte estrangeiros. As informações encontram-se apenas em duas línguas, não existe apoio informático e os únicos textos que falam um pouco mais sobre as obras expostas encontram-se unicamente em português e não são mais do que folhas de papel plastificadas.
Vamos a exemplos, eu visitei o Museu com duas grandes obras da arte portuguesa em mente, os Painéis de São Vicente e a Custódia de Belém. As obras são muito mais impressionantes ao vivo e merece a visita ao Museu com alguma frequência só para admirar estas obras durante umas horas. Os painéis são a obra principal, exposta de forma mais solene, com um texto simples, mas também não me pareceu o suficiente para uma obra de tal dimensão, o apoio tecnológico tem obrigatoriamente de ser maior. Mas pronto, para mim um sofá ali em frente foi perfeito, deu para ficar pelo menos meia hora a analisar o retrato da sociedade portuguesa do século XVI. A Custódia de Belém, é uma obra de ourivesaria incrível, desde a história, aos materiais, ao mestre e à qualidade do trabalho das figuras e da microarquitectura, mas está colocada como outra obra qualquer, num canto, mal iluminada e com a informação da tal folha plastificada. Não sei qual é o orçamento do Museu, mas o dinheiro parece escassear para o trabalho museológico nas exposições das obras.
E pronto, fiquei mais impressionado com a casa do Sal em Castro Marim, bom sinal, já que é uma colega de curso que trata das exposições da Casa do Sal.

domingo, 31 de julho de 2016

As degenerações de uma Vila Real (de Santo António)

Eu nesta cidade acho que vejo de tudo. São tantas as pequenas ilegalidades que às tantas a população já deve achar normal. Eu sei que Vila Real de Santo António, apesar do seu nome pomposo e a sua fundação nobre, continua a ser Portugal, com uma população que desconhece por completo a cidade em que vive, mas mesmo assim tem que haver limites, a câmara municipal não pode deixar tudo acontecer.
Existe um hotel no centro histórico que tem uma garagem de acesso sobre um passeio e zona pedonal. Nem devia existir um hotel naquela zona, muito menos sendo um edifício com quatro andares, nem a respectiva garagem. Mas pronto, lá está o hotel, os carros podem aceder à garagem apenas a umas respectivas horas, o problema é que os abusos da lei fazem com que haja carros a toda a hora, que entram à vontade e vão além do acesso ao hotel, transformando uma rua pedonal num parque de estacionamento.
Depois são as esplanadas por tudo o que é sítio, o passeio nesta terra ou tem carros, ou tem esplanadas, tendo muitas vezes ambos. Destaco principalmente a esplanada antes da estação ferroviária como o abuso total, que "empurra" os peões para a estrada.
Os ciclistas andam tanto pelo passeio, como pela estrada, ciclovias urbanas é coisa inexistente. Ayamonte aqui ao lado, tem ciclovia pela cidade quase toda. Não esquecer que apesar de Ayamonte ser Espanha, é também Andaluzia, uma região pobre e com números de desemprego assustadores.
As motas estacionam todas no passeio, alguns até têm o desplante de meter uma capa e de as deixar eternamente no passeio.
Marquises pela cidade toda. Casas de alvenarias e compostas com argamassas de cal, recuperadas com rebocos de cimento, daqui a uns anos choram. Carros, carroceis, bancas e afins colocadas eternamente na praça real da cidade, transformando o espaço nobre, numa espécie de feira eterna.
E hoje, na minha caminhada, descubro uma nova ilegalidade que despoletou a necessidade de escrever este texto. No bairro social em frente ao lidl, alguém decidiu agarrar nuns tijolos e cimento, construindo um pequeno espaço em frente da sua casa, no passeio público, utilizado esse pequeno espaço como uma espécie varanda/balcão privativo. Como é que é possível tal acontecer? A pessoa simplesmente chegou e tirou um espaço público.
A cidade funciona toda de uma forma muito estranha. Tem umas placas ao nível dos maiores ditadores, a glorificar as obras deste executivo. Outras placas a dizer uma hipotética candidatura a património mundial, fazendo de conta que já o é.
Mas pronto, como nós em Portugal confundimos democracia com liberalismo, achamos que está tudo perfeito e que não há nada a fazer.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Um Algarve de Futuro?

Hoje uma notícia do jornal Público, informava que finalmente no Algarve a construção realizada de casas novas, tinha por base a demolições de edifícios com cerca de 30 anos, em vez da ocupação de terrenos e terrenos, como tem sucedido ao longo das décadas no Algarve, onde zonas verdes, aquíferas, de reservas agrícolas e outras foram ocupadas em prol da loucura da construção civil que respondia a todos os males da sociedade, mas na realidade destruía maior parte dos valores ambientais e paisagísticos do Algarve. 
Eu dificilmente podia ficar mais feliz, talvez por este caminho possam acontecer várias coisas fantásticas num período de algumas décadas. Primeiro, pode ser que estas demolições cheguem até aos inúmeros prédios construídos nas décadas de 70 e 80, dando lugar a edifícios de maior qualidade e de menor dano para o aspecto visual das cidades (só de imaginar Faro sem o edifício do "Seu Café" fico arrepiado). Depois com as demolições abrem-se hipóteses do Algarve agarrar novas oportunidades de valorização da sua cultura e tradição. Os materiais como o cimento e o betão são excessivamente poluentes e prejudiciais para o meio ambiente, principalmente percebendo que terão um curto período de vida e dificilmente são reutilizados. Logo materiais e formas construtivas tradicionais, como o Taipa, a Cal ou a utilização de Alvenarias, podem muito facilmente ter lugar nestas novas construções (um mero exemplo, muito recente "http://www.sulinformacao.pt/2016/03/clube-house-do-espiche-golfe-e-unico-nomeado-do-algarve-para-premio-nacional-do-imobiliario/"). São bastante mais ecológicos, considerando que maior parte das vezes são mesmo os materiais que existem no próprio terreno, sendo também muito facilmente reutilizáveis. Os romanos utilizavam estes materiais, faziam enormes Vilas de um luxo dificilmente existente hoje no triângulo dourado do Algarve, e faziam-no com uma inferior capacidade tecnológica. Para o Algarve se tal acontecesse era fantástico, aumentava a independência da economia algarvia, dinamizava tradições milenares, criava empregos de maior valor do que o simples assentamento, contribuindo para uma industrialização que devia ter acontecido logo no período em que o turismo chegou e construção começou em grande escala, em vez do abandono dos materiais tradicionais em prol de outros já industrializados vindos do exterior. Além disto a conservação e reabilitação do edificado tradicional retiraria consequências muito positivas, já que a tradição mais do que um sinónimo do passado, seria uma força com passado, presente e futuro, criando os conhecimentos e capacidade construtiva que hoje se encontra quase esquecida. 
Noutro nível, terrenos actualmente abandonados, literalmente à espera de terem licenças para construção, podiam finalmente desistirem de tais esperanças e voltarem a ter utilização agrícola. Principalmente os terrenos do litoral, antigamente terrenos de grande produção vinícola ou de importantes hortas, mas também os terrenos do barrocal e interior podiam recuperar as tradições de culturas agrícolas se sequeiro, menos prejudiciais para os terrenos, com um nível baixo de consumo de água, que em tempos foram o sustento das populações algarvias e mesmo importantes fontes de riqueza, falo pois, da figueira, da amendoeira e alfarrobeira. 
Como as minhas esperanças crescem com uma simples notícia de demolições de casas, para se realizarem outros casas de luxo, vejo um sinal de toda uma mudança no Algarve. A verdade é que esta grande mudança, tão necessária para acabar com a sazonalidade extrema e o desaproveitamento das potencialidades económicas do Algarve, só acontecerá com uma grande mudança de mentalidades e a iniciativa de quem pensa de forma diferente. Por enquanto o Público, na minha opinião de longe o melhor jornal português, vai colher informações em empresários de construção, muito limitados nos seus conhecimentos e em donos de bares ou discotecas, que pouco mais sabem do que explorar uns quantos jovens necessitados de emprego durante os meses de verão. 


Aqui fica a notícia e o trecho que considerei mais importante: 
“Novo negócio do Algarve é demolir casas de luxo para construir de novo” - Idálio Revez 18/07/2016 - 07:24
“…Na área da construção civil — particularmente no segmento médio/alto —, o mercado voltou a dar sinais de recuperação. Desde o último trimestre do ano passado e primeiro trimestre de 2016 foram vendidas, no Vale do Lobo, 70 moradias — a maior parte das aquisições com o objectivo de deitar abaixo e construir de novo. Em casas com 20 ou 30 anos de idade, quando se pretende adquirir novos níveis de conforto, aconselham os técnicos, não compensa o restauro. É mais fácil (e às vezes mais barato) construir de novo. … “


domingo, 26 de junho de 2016

Urbanismo Medieval

No outro dia escrevi sobre o urbanismo Islâmico. Hoje vou tentar escrever sobre o urbanismo Medieval, cristão e português.
A época medieval europeia não é durante muitos séculos uma cultura urbana, as cidades da antiguidade clássica vão sendo abandonadas, em prol da vida do campo, mais segura e garantia subsistência, ao contrário das cidades que sentem a falta de um poder autoritário que as proteja. O maior exemplo deste fenómeno será a própria cidade de Roma, grande capital do império, com um milhão de habitantes e que no século XIV tem cerca de 40000 habitantes. O mundo medieval substitui as grandes cidades estado, autosuficentes, por cidades pequenas, próximas umas das outras e que vivem em cooperação, não posso garantir, mas acredito que antes do século XI não existia cidade nenhuma na Europa que tivesse mais de 100 000 habitantes.
Então mas como é que se processa o urbanismo medieval? Um pouco como todos sabem, construção de muralhas, zonas elevadas, próximas a rios e um urbanismo algo desorganizado. Mas a partir dos séculos XI e XII as coisas começam a alterar-se. São fundadas novas cidades, novas partes de cidades, mais organizadas, pensadas e que abandonam as zonas mais elevadas, por zonas de vales, criando as partes "Altas" e "Baixas" das cidades. Existindo mesmo cidades novas fortemente organizadas e racionalizadas. Mas essa não é a essência do Urbanismo Medieval, o crescimento natural, baseado num casario baixo, onde os mais importantes edifícios se destacam pela altura (imaginem uma catedral gótica com os seus pináculos, numa cidade com maior parte das casas com um piso) e a rua é o eixo essencial da vida da população. Em Portugal o papel da rua é tanto durante a época medieval, que até as grandes modificações urbanísticas na cidade de Lisboa são construções de ruas. E as cidades portuguesas constroem-se a partir da rua principal, a famosa Rua Direi(c)ta, que ligava todos os edifícios relevantes e as portas da cidade. Porque a rua? Pelas condições de vida das habitações, casas pequenas, sem divisões, sem grandes aberturas, sem zonas de higiene e construídas em materiais pobres, como se diz muitas vezes "frias no inverno, quentes no verão", as casas literalmente expulsam as pessoas para rua. A cidade também tem outros espaços importantes, não é só a rua, o outro espaço mais importante será o adro da igreja, onde se realizam um grande número de actividades, desde cerimónias religiosas a profanas.
Por fim, dizer que as cidades portuguesas passam pelo mesmo que as restantes cidades europeias, tendência a abandonar as zonas altas por zonas baixas, cidades pequenas, próximas, até a principal, Lisboa na época medieval mantinha fortes relações de solidariedade com Santarém, dividindo protagonismo. Mas também novas cidades bastante organizadas, sendo o principal exemplo a cidade de Tomar.

Guernica - Pintura - Pablo Picasso

A pintura Guernica é hoje reconhecida por muitos críticos como a principal pintura do século XX e a obra-prima de Pablo Picasso.
Na minha singela opinião tal se deve à união entre tema e forma que se encontra em Guernica; principalmente ao tipo de tema histórico que parecia arredado da arte do século XX. Isto não significa que a mestria de Picasso apareça como secundário, é essa mestria que justifica o tema, é a capacidade artística que permite sentir um conjunto de emoções que se aproximam da realidade histórica.
A crítica de Guernica nem sempre foi positiva, ao tempo da sua exposição inicial não agradou nem a "Gregos", nem a "Troianos", numa actualização para o século XX, nem a fascistas, nem a comunistas. O porque é óbvio, Picasso não pintou a "glória" da Guerra, nem ideologias políticas, mas sim as trágicas consequências do bombardeamento alemão à pequena aldeia Basca Guernica, sem valor militar, apenas semeando a destruição e a morte nos habitantes inocentes.
Picasso afirma-se assim como um agente do sofrimento, como  um opositor da guerra e utilizando a sua arte para relembrar os danos nefastos desta. Para o conseguir recorre apenas a três cores, o preto, o cinzento e o branco, por outras palavras a luz e a ausência de luz; dando a ideia que a acção decorre num quarto escuro, onde se encontram um conjunto de figuras em gestos trágicos, originando uma pintura de dor, horror, morte e sofrimento. Com um rico simbolismo, que pode levantar várias e distintas opiniões, mas que incide principalmente na tragédia, apesar de como em todos os males, parece ficar sob tudo pequenos símbolos de esperança. Destaco duas figuras trágicas, uma mãe com o filho morto nos braços, numa Pietà cubista em que toda a mãe é dor e que até os próprios olhos têm a forma de lágrimas; e o guerreiro caído, morto, olhando o espectador, que segura numa mão uma espada quebrada e na outra parece mostrar as chagas de cristo. As restantes figuras conjugam-se nesse sentimento de dor, três delas femininas e em gestos trágicos, uma delas mesmo em chamas e a gritar, mas duas das figuras direcionam o olhar para o único símbolo de modernidade, "la bombilla", a lâmpada eléctrica, a quem uma das figuras parece mostrar uma candeia, num gesto que relembra por exemplo a estátua da liberdade de Bartholi e que parece um gesto de racionalidade perante o dano causado pela "bombilla". O cavalo e o touro figuras já utilizados por Picasso anteriormente, também aparecem em Guernica reforçando a riqueza simbólica e o dramatismo da cena. Outros símbolos podiam ser destacados, mais pequenos, mais complicados de se ver como o galo também a "gritar" e como a flor na mão do guerreiro. Que apesar de interpretação complicada e não desenvolver aqui, merecem um destaque para demonstrar a riqueza da obra e a atenção a todos os pormenores de Pablo Picasso.
Guernica o apogeu da obra de Picasso, uma história de horror, que retrata os sofrimentos da população de Guernica, testemunhando os problemas da época, com o objectivo de tal como Géricault o tinha feito na Jangada de Medusa, de sensibilizar, impressionar e destacar um acontecimento negro da história, mas utilizando os recursos artísticos cubistas e surrealistas, realizando um cubismo distinto, mais consciente, que demonstra a capacidade da arte do século XX.

Urbanismo Barroco

É o urbanismo barroco que concretiza o urbanismo moderno, ao contrário do que aconteceu durante o renascimento, quando as alterações urbanísticas são pontuais e as formas de viver a cidade continuam praticamente as mesmas que durante a época medieval, o barroco criou grandes planos urbanísticos, quer de reorganização e expansão urbana, quer novas planificações.
A razão da alteração do paradigma urbanístico, está fortemente relacionado com a importância de determinadas cidades que passam a acolher um poder centralizador. Essas cidades conhecidas como capitais, sedes da corte e que se sobrepõem a outras cidades dentro de um estado, são cidades que sofrem uma grande expansão territorial e crescimento populacional durante a época barroca, que proporciam a criação de importantes planos urbanísticos; planos são orientados pelo poder autoritário, do Rei, do Príncipe ou do Papa, que utiliza o urbanismo para vincar o seu poder. As grandes cidades barrocas e onde se espelha o urbanismo barroco são então as grandes capitais europeias.
O urbanismo propriamente dito do barroco, utiliza os estudos teóricos do renascimento, mas afasta-se das cidades ideiais, de cidades em que os planos urbanísticos obedecem aos princípios da ordem e harmonia do cosmos, procurando sim criar cidades em que as percepções visuais são o elemento mais relevante, conduzindo o olhar do visitante da cidade aos elementos mais importantes e representativos do poder autoritário. Para criar essas percepções visuais, o barroco vai utilizar um instrumento típico da arte moderna, a perspectiva, assumindo a mesma importância que já tinha em artes como a pintura e a arquitectura. A perspectiva adaptada ao urbanismo assenta na perspectiva viária, formando-se vias rectas,  compostas por edifícios de arquitetura uniforme. Métodos que permitem um olhar sem perturbações para a vista pretendida, muitas vezes tratando-se de praças, igrejas e palácios. Convertendo a cidade não numa cidade perfeita em harmonia com o cosmos, mas sim numa expressão do poder autoritário, onde os grandes momentos se sobrepõem e guiam os planos urbanísticos, de destacar que importância do poder no urbanismo barroco vai ser exponenciado nas cidades residência, formadas em dependência do palácio e que conduz todos os olhares, sendo o melhor exemplar o palácio de Versalhes.
O gosto cenográfico do barroco, tem na perspectiva um dos maiores aliados, criando espectáculos visuais, transformando as cidades em cenários de poder e impressionando os que têm a possibilidade de as visitar.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Urbanismo Islâmico

O Islão expandiu-se rapidamente e por vastos território desde o ocidente até ao oriente. O urbanismo implantado pelo Islão não é muitas mais do que uma simples adaptação a cidades pré-existentes, sendo raras as vezes em que o mesmo cria o seu próprio espaço urbano. As cidades islâmicas são muitas vezes consideradas como confusas e labirínticas, isso não significa que o urbanismo do Islão seja todo dessa forma, mas é um importante ponto de partida para compreender uma diferença essencial entre o urbanismo islâmico e o urbanismo cristão.
A diferença entre um e outro, não é que um seja organizado e outro não, mais o urbanismo Medieval cristão é praticamente inexistente até ao século XI, porque a população vai ocupar o campo e não as cidades, o que não acontece no mundo islâmico, que ocupa principalmente as cidades pré-existentes. A principal diferença é o conceito de rua, a rua medieval cristã é um espaço importantíssimo, a vida no interior das casas era desagradável e então a população realizava a sua vida nesse espaço comum, o contrário acontece no mundo islâmico, mais quente, onde o espaço interior da casa consiste num espaço aberto e outro fechado, não necessitando tanto da rua, a cultura islâmica vai criar ruas mais estreitas, onde as sombras abundam, sendo simplesmente eixos de ligação da habitação aos espaços públicos mais importantes.
Importante referir a forma de organização urbana das cidades islâmicas, que vai continuar essencialmente igual nas cidades portuguesas, no sul, durante vários séculos. Uma zona fortemente amuralhada, a Alcaçova, espaço essencialmente militar, mas também de poder onde se encontrava o Alcácer (palácio); também amuralhado o espaço da Medina, a cidade propriamente dita, onde se encontravam todos os edifícios mais importantes, como a Mesquita, o Bazar e os Banhos. E por último um espaço fora das muralhas, os arrabaldes, espaço urbano e rural, onde se encontravam importantes culturas agrícolas. Este espaço vai ser aproveitado pelo mundo cristão para formar os bairros de mouros.
O melhor exemplo que eu conheço deste tipo de cidade islâmica será Silves, é ainda bem visível a Alcaçova (Castelo) e alguns trocos da muralha da Medina. É pena que a muralha da Medina esteja mal aproveitada, exceptuando o espaço de muralha aproveitado pelo museu. De referir também que em Lisboa só se vai abandonar o espaço da Alcaçova com o Rei D. Manuel I, já em época moderna, um exemplo da importância de conhecer este tipo de organização urbana e não ficar só pelos conceitos simplistas de "irracional", "confuso" e "labiríntico".
Nos anos 60, Fernando Chueca Goitia, escreveu isto sobre as possibilidades futuras do urbanismo islâmico: "Elas pareciam-nos até agora o cúmulo da inadaptação à vida moderna, pela impossibilidade de circulação automóvel nestas cidades. Esta circulação atingiu, no entanto, tais proporções que mesmo nas cidades modernas chegara um dia em que terá de ser proibida no centro, ficando partes importantes reservadas exclusivamente aos peões. Estas medinas muçulmanas poderão vir a ser excelentes ilhotas, no coração da urbe do futuro, lugares para gozar a calma e o silêncio, ou para o discreto deambular pelas ruas animadas e pitorescas. Assim se reatará a vida de cidade, a vida de rua, que o automóvel, esse monstro insaciável, está fazendo desaparecer das nossas urbes".
Conhecer o passado, pode ser um caminho para melhorar o futuro.

terça-feira, 21 de junho de 2016

A "Reconquista" e as suas Histórias

Na história de Portugal um dos períodos mais importantes e celebrados é o seu início, que consiste num período de "reconquista" de territórios a sul sobre o domínio muçulmano.
Muitas são as histórias contadas, é um período de muitas lendas e de uma percepção muito negativa do território ibérico controlado pelo Islão. No norte do país ainda se trata a população do Sul por "Mouro"  termo pejorativo que considera ao mesmo tempo que Portugal só é Portugal a norte e que a cultura do Sul era mais pobre. Essa ideia das gentes do Norte não precisa de mais de 30 segundos para ser desmentida. A cultura, a arquitectura e a arte estavam num patamar muito superior a sul do que a norte e a população da época sabia-o na perfeição. Só que ao longo dos séculos, considerando que a história é escrita pelo povo vencedor, que expulsa o domínio muçulmano, vai formando ideias de superioridade sobre o mesmo. Nós temos essa mentalidade hoje em dia, o Algarve será uma região "atrasada" porque foi a última a expulsar o domínio muçulmano. É exactamente o oposto, o Algarve é diferente e melhor que o resto do país por essa influência, tal como outras tantas de povos com civilizações muito superiores aos povos do Norte. Mas pronto, eu não devo ir por estes caminhos, porque esse não é o verdadeiro papel do historiador, apesar de no Islão existirem banhos, palácios, organização urbana, saneamento, poesia, música e uma maior qualidade artística, não significa que o povo do Norte que vive no campo, não tem hábitos de higiene, nem culturais, seja pior ou menos desenvolvido.
Mas queria falar um pouco sobre a reconquista, porque conta muitas histórias além dos conceitos básicos que nos ensinam quando somos crianças. Ontem li a história no Geraldo, Sem Pavor.
A conquista de território nem sempre era realizada pelo rei e o seu exército, mais, as grandes cidades como Lisboa são conquistadas por exércitos cruzados do Norte e centro da Europa, também tal acontece com Silves, os exércitos a caminho da terra Santa acabavam por dar um enorme a apoio à reconquista portuguesa. Além dos cruzados ainda existiam as ordens militares, também de origem do centro e Norte da Europa, que por exemplo o sul de território foi conquistada quase só devido à ordem de São Tiago da Espada. E ainda há o exemplo do Geraldo, Sem Pavor, apoiado pelo rei D. Afonso Henriques, este homens, agia com um bando de arruaceiros e marginais, por sua conta, atacando pela noite as cidades, incendiado as muralhas e conquistando as cidades. Com o principal objectivo de conquistar Badajoz, conseguiu conquistar territórios próximos e em redor da mesma cidade. Tratando-se de uma cidade importante para o domínio islâmico, não esquecer que é das poucas cidades fundadas pelo Islão, obviamente que a defesa da mesma intensificou-se com militares de outros territórios. Mas o mais curioso para a História será que o próprio rei de Espanha vai enviar militares para impedir a conquista portuguesa de Badajoz. Sim, o Rei Cristão, apoiou os muçulmanos. A "reconquista" desculpa-se com a religião, mas obviamente que tem outros interesses por detrás e conquista de Badajoz por Portugal significava um domínio dos territórios actuais do Alentejo e Algarve, territórios que o rei espanhol também tinha interesse. Consequentemente a conquista de Badajoz viu-se frustrada pelos tropas portuguesas, apoiadas pelo rei, que nessa cidade viu a sua vida militar praticamente finalizada, tendo partido a perna na fuga do interior da cidade, capturado por tropas espanholas. O Sem Pavor, foi obrigado a entregar as praças conquistadas a muçulmanos e espanhóis. Curiosamente o mesmo vai continuar a incomodar constantemente os territórios muçulmanos, até que um período de tréguas celebrado entre cristãos e muçulmanos leva-o para Sevilha, onde irá comandar um exército muçulmano, mas o mesmo não tinha virado a casaca por completo, tendo sido descobertas cartas entre o mesmo e o rei de Portugal, incentivando a invasão de Marrocos, após a descoberta, foi condenado à morte.
São muitas as histórias que a "reconquista" conta, as relações entre os povos são talvez das mais curiosas e inesperadas. A história não é tão básica como muitas vezes nos dão a conhecer.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Génio Barroco

O que é o génio artístico? O que é arte? Duas questões importantes para compreender a história de arte e a arte em si. Na minha opinião existe uma forte ligação entre ambas, os maiores artistas são aqueles que acrescentaram maior génio nas suas obras. A arte evolui a partir dos seus génios, são eles que quebram com o passado, inovam e criam os pilares do futuro. Importante esquecer que o génio não é só inspiração divina ou talento natural, é também muito trabalho. Mas não é errado pensar no génio artístico como algo extraordinário e então conceder uma explicação menos terrena. 
Um dos grandes génios da arte e o meu pintor preferido é Michelangelo Merisi, mais conhecido por Caravaggio. Pintor Barroco, mestre do Chiaroscuro e quem traz o povo para pintura, é o primeiro realista e afasta-se das imagens idealizadas do renascimento. 
No livro História da Arte Gombrich encontrei uma história muito interessante sobre este pintor e que ajuda a compreender o que é o génio artístico. Após uma encomenda para um altar, com o tema tradicional de São Mateus a escrever o Evangelho inspirado por um anjo, Caravaggio realiza uma pintura que retrata o São Mateus como um homem comum, sentado, com um enorme livro sobre uma das pernas, numa posição pouco natural de como quem nunca segurou lidou com um livro de tais dimensões e o anjo não é só inspiração do santo, ele literalmente guia a mão do santo, fragilizando ainda mais a imagem do santo. Esta pintura foi recusada e Caravaggio realizou outra em que o Santo já escreve sobre uma mesa, com trajes mais nobres e olha para o anjo, que já não guia a sua mão, mas que parece dizer-lhe o que escrever. Esta pintura já foi aceite. 
Porque que uma pintura é aceite e a outra não? Porque uma responde às regras do tema e a outra é a interpretação própria do pintor. Caravaggio sabia exactamente o que os encomendadores queriam, mas mesmo assim fez uma pintura consoante a sua interpretação. Consoante o seu génio artístico. Um tema tantas vezes pintado, mas que Caravaggio dá uma nova interpretação. A história da pintura ficou mais rica com uma pintura recusada. A capacidade de um artista pode ser vista pela utilização da cor, da luz, da sombra, dos trajes, da anatomia, mas é especialmente vista pela sua capacidade inventiva, de criar o inesperado, de dar uma nova perspectiva. A pintura de Caravaggio não era bela, não é esse o seu propósito, mas tem tudo aquilo que diferencia uma grande obra de arte e o que um verdadeiro amante de arte procura encontrar. 

P.S 
Este texto era suposto ser um primeiro rascunho para um estudo maior: do belo, de Caravaggio e afins. Mas infelizmente com os exames não tenho oportunidade de o desenvolver. De destacar ainda que ambas pinturas são de excelência artística.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Integralismo Lusitano

Numa das minhas últimas cadeiras como universitário estudei uma ideologia política que captou muito o meu interesse. Infelizmente a cadeira não correu como seria de esperar, pode-se dizer que não cheguei a ter aulas, foram poucas, umas faltei e as outras pouco informativas. Mas foi necessário fazer um comentário sobre um conjunto de textos, no meu caso coube-me o Integralismo Lusitano. 
Eu não sou um filho do 25 de Abril, não é a minha geração, não ando com cravos, não denomino como o dia da liberdade e gosto de explicar às pessoas o que aconteceu a Grândola após essa data. Logo isto significa que não olho para actual momento político com paixão, nem o que nos foi legado desde a revolução de Abril. Gosto de democracia e de liberdade, mas a democracia em que nós vivemos sempre me pareceu fraca e pouco participativa. E gosto pouco de partidos ideológicos, nunca gostei, talvez a culpa até não seja dos partidos ou das ideologias em si, mas sim destas terem desaparecido dos mesmos. 
Então onde é que entra o Integralismo aqui? Entra que é um movimento anti partidário. Na história das ideias políticas o movimento mais próximo é claramente o movimento nacionalista Action Francese, nascido em França pela mão do seu líder e figura principal Maurras. Em Portugal tem como órgão uma revista A Nação Portuguesa e a sua principal figura foi António Sardinha. Do primeiro terço do Século XX, o Integralismo vai realizar um dura crítica à revolução liberal de 1789, principalmente ao estado centralizador e ao individualismo do Homem. Para o Integralismo o Homem não existe como indivíduo, suportando-se em estudos biológicos, afirma que o Homem nasce dentro de uma família, que o Homem não vive em comunidade por querer, mas sim por necessitar. Baseando-se na família, o esquema político vai dividir-se em grémios profissionais ("famílias" de profissionais, conhecidos como sindicatos hoje em dia), que formam os municípios, que vão formar as províncias e por fim a junção das mesmas forma a nação, dirigida por um Rei. Temos então um estado bastante descentralizado, a participação democrática existiria essencialmente a nível municipal. Um esquema político muito aproximado ao que existia em Portugal durante os séculos XIV e XV. O movimento Integral procura e encontra então na história os pilares para construir o futuro. 
Mas o que é que isto levanta de relevante nos nossos dias? Gosto especialmente do conceito de família como base da sociedade. Será que muitos dos problemas existentes nos nossos dias não se devem ao egoísmo do "indivíduo" que apenas quer saber de si? Sobre o estado descentralizado é curioso de ver que também é completamente distinto do que exista à época e continua a manter-se hoje em dia. Um estado fortemente burocrático, centralizador e que parece preocupar-se pouco com as diferentes regiões. Não sofremos ainda hoje em dia de um domínio excessivo de Lisboa? Mais, será que o povo berrando com o primeiro ministro participa realmente na política do estado? Não seria melhor uma participação mais próxima, que defendesse realmente os seus interesses? 
Para finalizar gostava de destacar outro factor importante, a política não está morta, não atingimos a perfeição e podemos claramente modifica-la. Quem sabe, como tantas vezes aconteceu em política, olhando para o passado? 

domingo, 29 de maio de 2016

Vila Real de Santo António - Cidade "Sexy"

Neste mês de Maio li uma notícia em que o presidente da câmara de Vila Real de Santo António dizia que queria dar um ar mais "sexy" ao centro histórico das cidade a partir de algumas intervenções de reabilitação.
Podem imaginar que para alguém que conhece a história e a importância da cidade de VRSA o estrangeirismo "sexy" está longe de encaixar. A cidade tem de ser mais iluminista, mais próxima daquilo que é a sua origem, porque aí se encontra a riqueza e a diferenciação da mesma. Mas pronto, deixando estas coisas menores, até posso ver as coisas de forma positiva e encontrar uma mentalidade de valorização do centro histórico, mesmo que não seja perfeita. O problema é que eu conheço a cidade, conheço o trabalho do presidente de câmara e praticamente todos os dias faço caminhadas pela cidade. O que é que eu vejo? Bem, já reclamei dos carroceis, dos estado urbanístico e outras características que se afastam da racionalidade na origem da cidade. Agora o que é que eu tenho para reclamar? Do "sexy", do verdadeiro "sexy", da verdadeira mentalidade que está por detrás de quem gere a cidade. Na imagem podem ver o estado da calçada e que na mesma se encontram corpos de gatos mortos e em decomposição, a mesma calçada encontra-se defronte, em direção ao rio, da zona industrial e antecede em poucos metros o edificado recente da cidade, além da também abandonada e em estado deplorável zona de transporte público rodoviário. Eu não escrevi este texto mais cedo porque quis dar algum tempo de margem para ver se a câmara realizava algum trabalho, mas passado uns dias nada foi feito. E esta é a verdadeira cidade "sexy", não se deixem enganar por publicidades enganosas, ou por números fantásticos de investimento urbano, porque a realidade da cidade é esta. O futuro das cidades está também dependente é dos seus habitantes, de uma verdadeira democracia, de uma participação popular que permita a melhoria das condições de vida nas suas cidades. A população não pode continuar a deixar-se ser enganada, a pensar que democracia é reclamar com o "Costa" ou o "Coelho", porque não é, a democracia baseia-se na participação activa e a mesma deve começar pelos sítios de residência.
De realçar que isto não necessita de investimento avultado, é só mesmo uma demonstração do espírito que rege a cidade de Vila Real de Santo António e outras tantas neste Algarve.


terça-feira, 10 de maio de 2016

Igreja de São Francisco, Faro

Vou tentar facilitar, deixar de parte os pontos mais científicos e conhecidos da história como são as datas e os nomes. Será uma análise da qualidade artística e da sua importância. 
Quem entra na Igreja de São Francisco de Faro é logo absorvido por uma belíssima obra de arte total. Curiosamente a entrada na igreja é a parte mais recente da igreja, este primeiro espaço corresponde à nave e é composta por pinturas e talha policromada a fingir marmoreados. As pinturas são das mais interessantes na cidade de Faro, pertencem ao estilo artístico conhecido por neoclassismo (Finais do século XVIII e inícios do século XIX) e são encomendadas em Roma pelo mais saudoso Bispo do Algarve. Um Bispo que é um mecenas das artes e traz para o Algarve um novo gosto artístico. É esse o estilo que podemos ver nas pinturas com cenas da vida de São Francisco, realizadas por dois artistas Romanos, destaco principalmente as figuras angelicais dos quadros no lado esquerdo, tocam instrumentos musicais e são de uma grande sensibilidade pictórica. 
O espaço central da Igreja, é um octogono, uma tipologia arquitectónica de grande erudição, realizada pelo principal mestre pedreiro (arquitecto) Algarvio no século XVIII. Espaço que conjuga ainda uma riqueza decorativa composta pela talha e o azulejo, as grandes artes portuguesas no período barroco. Os retábulos de talha dourada, os grandes arcos policromados e a cúpula... O que dizer da cúpula? Não sei, visitem, admirem e deixem-se estar. Todo um conjunto de talha rococó, único e que conjugado com os azulejos de períodos distintos, mas também de grande qualidade, torna este espaço num dos mais importantes da Arte Algarvia e um dos mais importantes do período rococó em Portugal.
O último espaço, composto igualmente por azulejos e talha, mas onde os azulejos assumem uma importância maior. Apesar de todos os problemas que o terramoto de 1755 criou na Igreja, a verdade é que ainda se pode admirar nas partes laterais da abóbada o trabalho executado pelo principal mestre azulejador português, além do no espaço central visualizar-se outros azulejos rococós, que se distinguem perfeitamente pelas cores douradas e roxo-de-manganés. Por último o retábulo da Capela-Mor, ao fundo da mesma, realizado principalmente em talha dourada, composto por um enorme trono e sobre o mesmo encontra-se um dossel enriquecido por Sanefas. 
Uma igreja de enorme qualidade arrisca, lindíssima, uma preciosidade da arte algarvia, que merece ser mais destacada e mais visitada. Localizada no Largo de São Francisco, frente à ria, próxima das muralhas, junto ao Convento de São Francisco que é hoje a Escola de Turismo. 
Que a mentalidade vá mudando, que o "nosso" seja valorizado, a cultura ganhe importância e o Algarve deixe de ser esta "pobreza franciscana".




terça-feira, 3 de maio de 2016

Ermida Senhor do Bonfim, Horta do Ourives

A capela que nunca sofreu uma obra de intervenção, apesar de já em 1977, Pinheiro e Rosa, publicar um artigo no jornal "O Algarve" alarmar para a situação de abandono, ano em que ainda se encontrava num "estado tolerável" de conservação, mas que como o próprio indica, passados sete anos o estado de ruína era desolador. Passados uns anos, em 1999, também Francisco Lameira, no desdobrável sobre o desembargador, refere a necessidade de "reabilitação urgente". Passados quase 40 anos do toque de alarme de Pinheiro e Rosa, nada foi realizado, só é possível imaginar o quanto se perdeu nestes anos. Um excelente exemplo de falta de sensibilidade patrimonial, num local onde hoje atravessa um importante eixo viário, onde foi realizada a grande obra de arquitectura contemporânea do Teatro das Figuras, realizadas urbanizações e zonas comerciais, mas um pequeno templo religioso composto por uma riqueza decorativa interior louvável, encontra-se em ruína avançada.
Será este o Algarve que queremos?

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Cripto-História e História do Urbanismo de Lisboa

As imagens da Lisboa Manuelina, Século XVI, da cidade antes do terramoto e da reconstrução iluminista, contam uma história muito curiosa. Por vezes é complicado de compreender a importância da Cripto-história, mas o caso da cidade de Lisboa, do seu urbanismo antes do terramoto, parece ter vários predicados do maior interesse.
Lisboa é uma cidade grande, com um número elevado de população e também tem "histórias" afastadas da realidade, talvez a minha preferida seja que o Marquês de Pombal era um visionário que preparou a cidade para os carros. Pode esta história ter um fundo de verdade? As preocupações com a mobilidade já existiam no século XVIII, mas não tem nada relacionado com o trânsito do século XX. A planta ortogonal, ou traçado hipodâmico existe desde a Grécia antiga, não tem nada relacionado com uma previsão futura dos carros. Mas passando esta minha divagação, uma outra história sobre Lisboa é que ainda bem que houve o terramoto, porque a cidade anterior era confusa, desorganizada, sem sentido e sem valia maior. As imagens das antigas ruas de Lisboa mostram o contrário, tal como o aparecimento da legislação dos séculos anteriores ao terramoto. Lisboa no dia 31 de Outubro de 1755, não era uma cidade medieval, era uma cidade que tinha tido um crescimento importante durante a modernidade, novas zonas como o bairro alto, que ainda permanece. Mas estou a tratar da baixa lisboeta. A maior edificação moderna de Lisboa terá sido o Paço da Ribeira, simbolicamente representa a mudança do poder localizado no topo da colina, no castelo de São Jorge, protegido e separado da cidade, o que opõe-se ao novo paço, aberto para o terreiro, próximo da população e até na arquitectura próximo ao que já existia na cidade. No urbanismo propriamente destacam-se as ruas novas, ruas rectas, largas, onde as edificações são todas elas compostas por grandes zonas de arcadas. Preparadas para o comércio, para um grande número de pessoas e claramente de um gosto moderno. O edificado também sofreu diferenças importantes, a rua passou a ser uma prioridade, proibindo a execução de balcões, construções avançadas que invadiam o espaço da rua, além de o urbanismo como sinónimo de poder, para isso as casas deveriam ser construídas em pedra e cal, não em madeira. É impossível saber-se de certeza como era a cidade de Lisboa, mas estes exemplos mostram uma cidade em mutação, que teria muito para contar.
Além de que a cripto-história mostra a sua importância, nem que seja para acabar com alguns mitos, mas o mais importante será que Lisboa não descobriu o Urbanismo moderno no século XVIII, os seus arquitectos e engenheiros tinham séculos de experiência e provavelmente por isso responderam de forma tão célere às exigências.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Artemísia Gentileschi

Há pouco tempo, num programa sobre as mulheres pintoras, transmitido pela RTP 2, foi-me dado a conhecer a biografia e obra de uma pintora barroca de nome Artemísia Gentileschi.
Não sei se existe história mais impressionante de uma mulher pintora, tal história de vida que conjuga com uma mestria enorme nas execução da suas telas. Por vezes a história é cruel, simplesmente porque é feita por Homens com defeitos e virtudes, só assim se pode explicar algum esquecimento dos talentos de Artemísia.
As suas telas espelham as inovações barrocas desenvolvidas pelo grande Caravaggio, amigo do pai de Artemísia e seu mestre. O que é que Caravaggio desenvolve? Principalmente as telas do chiaroscuro, o claro-escuro, que intensifica as sombras e as luzes, criando partes do quadro absolutamente obscuras e outras de cores e luzes intensas. Os temas tratados por Artemísia são vários, como não podia deixar de ser para uma pintora tão inventiva, mas destacam-se os temas femininos, quer da mitologia grega, quer das histórias bíblicas. Traz uma nova perspectiva para o mundo feminino na arte, porque a pintora não trata só de temas femininos como antes eram tratados, ela modifica a perspectiva sobre essas histórias. Por exemplo o quadro mais famoso de Artemísia trata o tema Judite e Holofernes, muitas vezes interpretado como os perigos da verdadeira "mulher fatal", de uma mulher que trai a confiança de um homem, basicamente uma visão masculina. Ela é vista por Artemísia como a mulher justiceira, por alguém que salva o seu povo e apoiada por outra mulher consegue acabar com a repressão masculina. São quadros que mostram uma visão de superioridade da mulher sobre o homem e conhecendo a história de vida da pintora, não podemos deixar de sentir uma vontade de ela própria decepar alguns homens.
A carta dela existente no Livro A Nova História de Arte, Janson, é uma delícia. A confiança dela nos seus talentos, em si própria, é incrível. Mas ao mesmo tempo demonstra uma humildade perante o encomendador, apesar de se notar uma posição defensiva em relação ao novo encomendador. Como ela própria indica, tinha razões para isso, a história sobre o Bispo entregar o desenho dela para outro pintor pintar, demonstra as dificuldades que ela passou, mesmo quando já era uma pintora reputada. Sinto uma mulher orgulhosa, de ser mulher, de ser Romana, de ser pintora, que valoriza um homem da sua confiança, mas que receia um homem desconhecido.
Na história de arte, destaco a importância das suas obras pela nova perspectiva que traz, a perspectiva feminina, algo que nenhum pintor homem conseguiria, conjugada com talentos pictóricos ao alcance de muito poucos. Não sou um feminista, muito pelo contrário, mas a minha admiração pelas mulheres é enorme e em Artemísia Gentileschi encontrei uma mulher fascinante, de talentos ao nível dos melhores e que cria uma arte diferente. Resta-me esperar que a historiografia continue a valorizar o trabalho das pintoras.

domingo, 17 de abril de 2016

"Passos Contados" em Vila Real de Santo António

Hoje participei numa actividade, que conjuga cultura e caminhadas. Com o apropriado título de Passos Contados em Vila Real de Santo António. É a primeira de várias que se realizarão este ano. São destas actividades que as cidades precisam, retirar as pessoas de casa, dar novos conhecimentos, dinamizar determinados espaços e tantas outras coisas positivas. É curioso como a cultura é saudável, não só para a mente, como também para o corpo.
O início deu-se no arquivo Rosa Mendes, onde se encontra a exposição realizada pelo Museu Municipal de Faro, cedida por uns meses a Vila Real de Santo António (outro exemplo de dinamização cultural, baseada na partilha de conhecimentos, que pode enriquecer os museus e outros espaços de divulgação cultural, tendo um maior número de exposições temporárias) sobre os caminhos de ferro no Algarve, sendo que o passeio baseava-se num passeio sobre o comboio em Vila Real de Santo António e era orientado pelo Museólogo do museu de Faro. A experiência do Museólogo foi sem dúvida uma mais valia, pode partilhar as suas experiências na execução da exposição, algumas conclusões óbvias sobre a realidade da região no passado e presente, conhecimentos retirados de disputas entre deputados da monarquia constitucional e de viagens realizadas nos primeiros anos da ferrovia. Alguém diria que o segundo troço ferroviário em Portugal foi construído entre a Mina de São Domingos e Pomarão (Mértola)?
Uma coisa importante que eu quero destacar do património, sem dúvida que a história da ferrovia é importante, curiosa e que interessa a muita gente, mas tem que ser mais que isso, tem que ser uma base para dinamização da ferrovia nos nossos dias. O transporte ferroviário não é só passado, tem que ser futuro, apesar de não ser presente. Acho que a exposição pretende isso, o Museólogo no seu discurso nunca esqueceu o futuro, a importância para o sector como o turismo, foi bastante destacado, como não podia deixar de ser. Um ponto curioso foi a estação de Lagos, actualmente a original está ao abandono e é talvez a estação mais interessante no Algarve na tipologia tradicional, abandonada em prol de uma construção já do século XXI, sem valor algum (duvido estar a dizer uma asneira), mas que lendo umas noticias recentes compreende-se o porque de tal acontecer, típicas manobras imobiliárias e camarárias.
Sobre o passeio, além do arquivo, passou-se pelo apeadeiro do Guadiana (artigo que aborda o assunto, de forma interessante: https://www.publico.pt/local/noticia/vila-real-de-st-antonio-perdeu-o-comboio-e-a-ficou-a-ver-passar-os-carros-1703125), pelo bairro ferroviário construído também por Cottinelli Telmo(?), como a estação de Vila Real de Santo António. O bairro é um conjunto pequeno, afastado da cidade antiga, que tem algum valor arquitectónico e simbólico, mas que se encontra num contexto impeditivo, com barracões anexos, numa ideia de conceber espaços uma nova zona industrial, que parecem ser apenas uma daquelas típicas loucuras dos últimos anos. A estação, o ex libris do passeio, trata-se de um interessante exemplar modernista, que se adapta muito bem ao local, a arquitectura volumétrica, simples, toda pintada de branco, relembra a cal tão algarvia e no alçado a tardoz, virado para a linha ferroviária, a cimalha (conhecida por pala) em betão armado é um exemplo do que a arquitectura contemporânea pode oferecer, a sua eficiência conjugada à beleza arquitectónica é louvável.
Factores de interesse é coisa que não falta na cidade de Vila Real de Santo António, exemplares arquitectónicos importantíssimos, muita história para contar e um fantástico contexto natural. Uma cidade que vale a pena uma visita, mesmo que o comboio não seja o melhor meio para a visitar.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Porque escolher a arquitectura tradicional?

As razões para se optar por adaptar a arquitectura contemporânea à tradição são muitas. Porque na realidade eu não posso defender a arquitectura tradicional per se. Esta é importante historicamente, na conservação de edifícios históricos que não modificaram a sua utilização, porque as técnicas e materiais tradicionais são tão importantes quando a estrutura exterior do edifício. Um exemplo simples é o valor de um edifício Gótico e de outro Neogótico, podem ser quase iguais visualmente, mas tem valores completamente distintos. 
Agora o objectivo da minha questão não é uma questão histórica, de conservação, reabilitação ou restauro. É uma questão para a arquitectura contemporânea, será que esta tem de ser obrigatoriamente um corte total com o passado? Uma arquitectura descontextualizada, dissonante e muitas vezes sem mais valores, do que apenas "o novo porque é novo"?
Eu não o acho e não posso aceitar estas ideias definidas da arquitectura contemporânea. A arquitectura dos nossos dias tem todas as capacidades para melhorar, não faltam tecnologias para adaptar materiais tradicionais ao nossos dias. Quando eu falo de arquitectura tradicional não falo de cópias dessa arquitectura, mas sim de uma adaptação. A arquitectura não pode ser apenas criação, tem de ser mais que isso, tem que se adaptar ao contexto, tem que ter uma base. Bernini, talvez o maior arquitecto barroco, inovou imenso a arquitectura, fez algo de completamente diferente, seguindo as bases clássicas e tradicionais. Tudo é possível, o génio do arquitecto não fica limitado por se adaptar, por seguir uma tradição. 
Mais importante do que até que os valores históricos e urbanísticos, serão provavelmente os valores ambientais que existem nas técnicas e materiais tradicionais. Todos nós sabemos da destruição efectuada pelo homem no mundo e a ideia da arquitectura contemporânea é mais um dos factores que ajuda a essa destruição. Construir uma casa de pedra, taipa, cal e barro, é completamente distinto de construir uma de cimento, ferro, tintas plásticas e amiantos. A arquitectura tradicional adapta-se por completo ao local, utiliza os materiais que são dados pelo terreno e região. Mesmo sabendo que adaptação dos materiais à contemporaniedade ia modificar essa realidade, não deixa de ser uma enorme diferença para os materiais contemporâneos. E utilizar os materiais das próprias regiões e países não fortaleceria a própria economia nacional? O valor base da concepção da economia global, não é que vamos fazer todos a mesma coisa, é o oposto, cada um de nós faz o melhor que temos. 
É por tudo isto e mais, que eu digo que a arquitectura contemporânea tem obrigatoriamente de escolher um novo caminho, o caminho da tradição, da adaptação e da valorização do local. 

quinta-feira, 31 de março de 2016

Vila Real de Santo António, Património Mundial?

No outro dia fiz uma visita maior à minha cidade natal (Vila Real de Santo António). Analisar algumas das características que compõem uma das mais importantes cidades iluministas.
Todos sabem o estado actual do Algarve, obviamente que uma cidade construída com base na racionalidade, não encontra neste Algarve actual condições para manter os valores de razão que dão razão à cidade.
Observando os Vãos, as molduras de cantaria, observamos regras iguais para todos os edifícios nobres (dois pisos), na fachada da cidade, retirando o edifício de Alfândega, todos os restantes têm a mesma composição. Qual é a importância disto? A demonstração da racionalidade na construção da cidade. Eu não posso dizer que a cidade é iluminista senão assumir estas regras. Hoje em dia nem todos os edifícios assumem esta racionalidade ao pormenor, mas o que mais me escandaliza é o vão principal do edifício da câmara. É uma reconstrução que procura recuperar os valores de racionalidade perdidos com o antigo edifício construído no século XX. Os dois Vãos laterais permanecem com molduras que seguem as regras, mas por alguma razão o principal, é como todos os Vãos dos últimos anos, meros buracos.
É uma minudência, mas é do pormenor que a cidade se diferencia, se na praça nobre, numa reconstrução, o edifício não assume os valores definidos na fundação, é uma demonstração da fraqueza de espírito que hoje controla essa cidade.
Os carroceis eternos na praça real (hoje denominada por Praça Marquês de Pombal), os trampolins e outras tantos factores são demonstrativos que ainda ninguém descobriu a diferença, o valor da cidade. Isto será realmente importante? Depende do que se quer para a cidade. A cidade pode ser diferente das restantes, mas tem que se afirmar, não pode ceder constantemente à especulação imobiliária  ao interesses mesquinhos de políticos, de arquitectos sem noção e de uma população que desconhece onde vive. Se quiser ser Património Mundial da UNESCO, não pode continuar nesta toada de destruição. Não fui eu que fiz candidatura, foi o município, mas aqui apresento um exemplo de algo que a cidade tinha de fazer para entrar nessa estrita lista.
Mais, nesse dia visitei as dois largos inicialmente feitos, dois largos com especificidades muito interessantes para a história do Urbanismo, o Largo da Fonte, a água, (essencial num tempo sem canalização como a de hoje em dia) e o largo da Estalagem, onde nasceu o notabilíssimo António Aleixo e onde existiu um Pelourinho (sim, o Obelisco na Praça Real tem tanto de Pelourinho, como portas em alumínio de sentido). O largo da estalagem demonstra também como nada ficou esquecido, algo que hoje em dia parece apenas um sonho. Dois belos largos, com localizações praticamente perfeitas, com espaço e no caso da estalagem com uma importância simbólica enorme. E o largo da fonte? Pois esse, alguém lembrou-se de colocar sienito (que é perfeito em muitos locais, mas não em todos) no pavimento, uns bancos em cimento, desvalorizando a fonte tão simples como significativa, isto além dos edifícios já completamente  incaracterísticos, com varandas de sacada que invadem o espaço da praça.
Não é fácil chamar atenção para essas coisas, as pessoas hoje em dia tem poucas noções de civilidade, da importância do ambiente urbano e têm conceitos na cabeça muito perigosos para o património. Mas isso não diminui a importância do património urbano e é por isso que venho aqui escrever este pequeno texto, uma mera conclusão de duas visitas à cidade no dia de Páscoa.